Atividades de diferentes aspectos ligadas ao transporte, por exemplo, têm cada vez mais a presença de mulheres
Por Ayrton Senna Gazel
Apesar do preconceito ainda ser a tônica de profissões dominadas por homens, as mulheres têm avançado, cada vez mais, sobre todas as áreas de trabalho. Em Manaus, amazonenses têm quebrado barreiras e alcançado cargos historicamente ocupados pelo sexo masculino, como as profissões ligadas ao transporte e mobilidade urbana.
Foi vendo o pai, o seu Benjamin Bacelar, quando tinha apenas 14 anos que Sônia Bacelar se apaixonou pela vida de quem leva e traz mercadorias pelas estradas do país. Única motorista de caminhão com nove eixos do Amazonas, ela viaja pelo Brasil e outros países da América Latina.

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Eu herdei o amor por essa profissão do meu pai. Tive de começar muito nova, quando ele quebrou a perna, e eu precisei sustentar a minha família. Com o passar do tempo, fui evoluindo de categoria, e posso dizer que desejo fazer o que faço até o fim da minha vida, porque eu realmente amo essa profissão“
, afirmou.
Sônia conta que sente na pele, desde a juventude, as consequências do machismo. “Eu já sofri muito com preconceito e assédio, desde a minha juventude. Ouvia muitas piadas pela minha condição de mulher, mas sempre tentava ignorar e mostrar a minha competência”.

“Quando eu chegava em algum lugar para encostar uma carreta, por exemplo, as pessoas mandavam ir embora, diziam que eu não sabia dirigir. Eles não viam o meu lado profissional, só me enxergavam como mulher, como se eu não tivesse capacidade para exercer as minhas atividades”, disse.
Ao comentar sobre o que a profissão significa para ela, a motorista se emociona. “Qual o valor para mim? Eu vejo o meu pai no meu cargo, eu tenho amor pelo meu trabalho, faço com muito afinco, para honrar o nome dele. Não trocaria essa vida por nenhuma outra”, finalizou.
‘Seu marido deixa você ser motorista de aplicativo?’
Insatisfeita com as propostas de trabalho que recebia, há quatro anos, Naila Melo, de 38 anos, decidiu encarar o trânsito manauara e virar motorista de aplicativo. Ela conta que já sofreu assédio moral em várias ocasiões, incluindo por parte de outras mulheres.
“Já ouvi muita piadinha, boa parte de mulheres, como, por exemplo: seu marido deixa você ser motorista de app?’ Ou então ‘olha, ela é mulher, cancela a corrida que não vou”, relata Naila.

A motorista de aplicativo também destacou que já foi vítima de assédios sexuais. “Em uma das vezes, um médico chegou a me oferecer R$100 para eu entrar na casa dele para conversar, mas é claro que recusei”, relembra.
Mesmo diante das barreiras, Naila não pensa em deixar de seguir a profissão por causa das piadinhas. “Já estou há quase quatro anos atuando como motorista de aplicativo e não é por causa dessas pessoas que irei deixar de trabalhar”, diz.
Fiscalizadora
Na cosmologia do machismo estrutural da sociedade brasileira, condutas questionáveis na direção de veículos são costumeiramente atribuídas a mulheres. Mas o fato é que elas avançaram em todas as áreas por competência e mérito próprio. Andreza Ferreira, 35, assim como outras milhares de agentes de trânsito espalhadas pelo país, não só dirige como fiscaliza os condutores.

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Já trabalho há cinco anos como agente de trânsito, e desde a minha entrada no Detran-AM [Departamento Estadual de Trânsito do Amazonas], sempre quis fazer parte do NEOT [Núcleo Especializado de Operações de Trânsito ]. Quando finalmente consegui, o início foi bem tenso por conta do comportamento dos condutores, alguns tranquilos e educados, já outros com o comportamento mais ríspido, o que me dava um certo receio“
, conta.
Durante o dia, a agente trabalha na sede do Detran e à noite participa de fiscalizações quando é determinado pela escala. Nas operações de trânsito, cabe à Andreza abordar os veículos, convidar o condutor para realizar teste de alcoolemia e notificar, caso seja necessário.

Apesar de nunca ter sofrido assédio sexual durante o seu trabalho, a agente de trânsito relata que já presenciou comportamentos abusivos com outras mulheres. “Durante uma abordagem de um casal, o condutor tentou colocar a culpa na esposa, por ter sido autuado. Fiquei revoltada porque o irresponsável era ele próprio que estava dirigindo sob o efeito de álcool”.
Examinadora ‘dura na queda’
Também ocupando um cargo incomum para mulheres, a avaliadora de trânsito Cintia Silva, 44, é examinadora de trânsito e trabalha no Complexo de Exame de Direção Veicular do Detran, na Zona Norte de Manaus, diariamente. Pelos colegas de profissão, Cintia é conhecida pela seriedade e pelo rigor.
“Já percebi um olhar diferente de vários homens que vieram realizar a prova, do tipo ‘serei avaliado por uma mulher?’, mas isso nunca foi verbalizado, até porque há certo receio de que tudo vire motivo para a reprovação e eu jamais admitiria”, afirmou.
A examinadora conta que tem paixão pela profissão. “Amo o que faço e sempre tento demonstrar muita seriedade, primeiro, porque há poucas mulheres por aqui [em seu ambiente de trabalho], então eu desempenho a minha função com o máximo de comprometimento, até para a minha condição de mulher não ser utilizada como motivo de eventuais erros, que qualquer de nós está apto a cometer”, explicou.
Mulheres cientistas
O projeto “Meninas SuperCientistas”, criado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), busca atrair as mulheres para as atividades científicas voltadas, especialmente, para a criação de inovação na mobilidade urbana das cidades brasileiras.
Além de valorizar a carreira científica, o projeto é uma iniciativa em resposta à quantidade desproporcional de mulheres nas profissões STEM (acrônimo para Science, Technology, Engineering and Mathematics), reflexo de negligências na história.
